quarta-feira, 21 de março de 2007

.do não amor

Ainda era cedo, 7:23 da manhã e religiosamente a rota 2 da linha Central chegava. Bem agora, acabo de abrir o livro pensei. Sem problemas, embarco e inicío a rotina diária de deslocamento Porto Alegre - São Leopoldo - Unisinos.

Poltrona 35, janela, eu com a cabeça relaxada e corpo seguindo o desnivelamento da rua, saltando junto com a suspensão do onibus e seu barulhento feixe de molas, catando o parágrafo que ficou ali atrás, no ultimo buraco, quando com vários bancos livres ao meu redor, percebo "Ela", ali parada no corredor, fazendo mensão para que eu retirasse minha mochila do assento ao lado, contudo sem pronunciar absolutamente nada (eu retiro).

Um pouco sem jeito, afinal, tantos assentos teriam livres, eu entretido com a leitura e escolhe logo este, logo pensei se isto não se repetira nos outros dias em que vim dormindo, sem perceber a movimentação a cada parada. "Ela" se senta (eu flutuo).

Um cumprimento tímido, dentes cerrados, (seu estúpido poderia ter sido mais gentil) um olhar cruzado e tudo vira. Era a luz que surgia diferente do céu que hoje amanhecera mais claro, o sol ameaçando brotar em meio às nuvens já bastante esparsas mas ainda carregadas. Aquele azul-ftálico-claro de sua íris me hipnotiza com sua beleza estonteante. Sua voz seda-oriental e a pintura do seu olho carregado de preto-frio, contornando tudo o que lhe tire o sono e afastando tudo o que lhe impede de fazer feliz.

Conversas fúteis, terrivelmente disparadas (sem o menor sentido) e ela mesmo assim gentilmente sorri, responde. Percebo que acompanha duas ou três linha do livro e logo adormece, belamente, como se em berço estivesse. Sigo lendo, lento, hora lendo o livro hora lendo os seus sonhos. Ela desperta, pergunta que livro tenho em mãos e como eu conseguia ler com o ônibus em movimento, contando brevemente sobre o livro que atualmente está em sua cabeceira.

Mais alguns metros, primeira parada, segunda parada e ela diz, perdão, mas eu desço aqui. Seria ridículo lançar um "espera", eu também paro aqui (e realmente paro). Então ela desce, segue caminhando pela calçada e eu já sem o mínimo interesse pelo dia, livro ou o que fosse. Só o sorriso-almodôvar e ela olha suavemente por cima do ombro, me vê, sorri e eu sigo.

Pronto, quarta-feira, a primeira paixão chegou cedo hoje, pensei. Faltam somente três e o tolo coração sossega até o próximo dia, até a próxima manhã.

Bom café!

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