quarta-feira, 28 de novembro de 2007

.do acaso, bixo astuto


O acaso, bixo astuto, que sempre nos prega peças e deslisa sorrateiramente por estas noites quentes de verão, nos esconde seus caminhos apagando o sol e fazendo-o mergulhar em meio ao crepúsculo pedregoso.
A escuridão já avançava cortando ferozmente o céu, quando ao longe no horizonte, como se guiado pela lua que lutava para transpor algumas poucas nuvens que faziam o ar ficar pesado passeava um ancião, paciente mas em um passo firme e determinado, caminhava curvado como se a terra o chamasse. Falava baixo, quase discutindo com seus próprios pensamentos e quando as nuvens passaram levantou o olhar e com sua voz trêmula, que agora fluia pouco mais límpida, recitava sua história em versos, cantava sobre uma vida de arrependimentos.

Acabei de pôr meu corpo à toda prova
apenas para ter certeza que ainda o posso sentir
é estranho desligar-se de tudo e concentrar na dor
a única sensação real a qual os olhos não deixam mentir

Como uma agulha que rasga com firmeza a pele tenra
palavras podem fazer grandes marcas em um muro bruto
derrotado, você tentar sobriamente ignorar cada fato
mas no fundo, irá amargamente lembrar-se de tudo

Reescreva tua história, antes que seja tarde
não tente passar por cima de todos só para partir
um dia tu irás ver lá ao longe que todos te deixaram
valeu mesmo a pena chegar vivo até aqui?

Mas se quiser algo de mim, leve tudo, não vou me arrepender
quero que fique com tudo que puder carregar
seja herdeiro disto e contrua sobre ele teu império
mas não venha dizer que quer me devolver

Uma coisa é certa, você nunca terá certeza se fez a tempo
quando tentou descer de um trono de mentiras para aqui ficar
a alma pode ser lavada, mas sempre levará consigo e todos verão
os rastros por onde a tua história chegou a pisar

Mas não te arrependa tão tarde, meu amigo, pois o tempo urge
quem realmente te quer bem, ainda o perdoará
mas de algo eu posso com certeza lhe dizer: eles esquecerão
mas de tudo que tu fez, para sempre tu vai te lembrar

Reescreva tua história, antes que seja tarde
não tente passar por cima de todos só para partir
um dia tu irás ver lá ao longe que todos te deixaram
valeu mesmo a pena chegar vivo até aqui?

Feliz ele sorriu, pois sabia que naquele instante sua missão estava cumprida, seu conhecimento não mais morreria junto com seu corpo. Sua sina se completou e ele como se tomado por um imenso cansaço, deitou no chão sujo, fechou os olhos e silenciosamente partiu.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

.estranhos dias


hoje, sem versos, vida
como um céu encoberto, brisa
como um céu sem cores
como muitos amores

como um beijo amargo
que nos faz perder muito
muito longe do rumo de casa
vago pela escuridão

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

.da invenção da solidão


Se esvai a luz e me prendo ao tentar enxergar no soturno
como se quase com pressa, me apresso, aperto o passo
me disfarço e derramo nestes versos minha sinceridade
na ânsia, com a alma inxada de cansaço, apago

Em quarto escuro, logo eu, justo eu
me projeto retroiluminado por uma estreita abertura na janela
a lua me invade e eu namoro
amo o brilho dos teus olhos, e recordo

Avanço lento e me deparo com aquele sorriso
me pego em apuros, acoado, e me apaixono
arrasado, flagrago-me em meio a pensamentos derrotados
e assisto a glória de minha insegurança que me caçoa

Em bobas lágrimas em vão te prendo
tu te faz calor-sol e evapora
e vai embora, e me escapa

Em redoma de vidro está tu-ar
que foge pelas frestas e me cerca
enquanto agora confesso já sem pressa alguma:
me fiz prisioneiro no teu seio esguio e não fujo mais.

Nestes versos eu me entrego,
faço e disfarço, descarrego minha incerteza e desesprezo
Por aqui também me recordo, com o coração eriçado
daquele sorriso, há, aquele sorriso lindo

Se me permites, te reverencio minha rainha
te juro lealdade e te exijo
por favor, fique aqui
não vá para onde não te possa seguir

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

.ela é do tempo do bob


Vai teu corpo
leva tudo, leva de mim
teu passado todo, consolo
mas e se eu ficar por aqui?

Dizem vai ter a quaresma nesta terra
e que guerra não deve existir
mas se palavras só rimam com escravos
nem flores, nem pétalas, nem cravos
só são bonitas para bonitas rosas de jardim

Já indaguei a mente mas não a alma
quão bonita flor mirei ela ainda ao longe
e desde já veio primeiro a imaginação
de que cor alma teria, se anjo fosse?

E depois? o que eu poderia compôr
já esqueço pois é você quem faz bem isso
posso pôr que te amo,
posso dizer que já indaguei a mente, mas não a alma
mas nada acalma quando chego e percebo
que elegi o amor à frente de tudo.


segunda-feira, 19 de novembro de 2007

.o homem que pintava o pôr-do-sol


a cada palavra completo mais e mais o conto
um dia posto, um dia eu mostro
e aqui ainda posto a história
daquele que vive no sopé das montanhas
e no céu pinta o pôr-do-sol ao seu gosto.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

.do embrulho de doces


E lá ao longe vinha ela, aproximava-se plácida e lentamente linda como uma manhã clara de um domingo recém chegado estreando as primeiras brisas da primavera. Ele ali sozinho em silêncio, suava frio e se lembrava das antes tão vivas memórias que eram as ansiosas esperas pelo dia de ir ao parque ou então o primeiro dia de aula, e isso era bom.


Tudo era grandioso, da expectativa de chegar ao intenso desejo de devorar o momento, como quando se vai até a confeitaria e se desafia a paciência da vendedora, que com a pinça-de-doces na mão, mergulha em direção a um saboroso pedaço de torta de morangos recoberto por gotas de chocolate ou então um 1000 folhas que nunca cabia no mesmo pacote e parecia suplicar por uma caixa maior, transparente, baixa e de bordas arredondadas.

Seus os olhos embotados de excitação faziam a roda gigante parecer mesmo gigante, os brinquedos hora aterradores, hora incrivelmente atrativos cativavam a atenção. Era isto, um misto de beleza, sedução, encontro e expectativa, de água-na-boca, calafrios, alentos e prantos. Inexplicável.

Não há coração por mais nostálgico que seja que não se renda à dança suave do tecido semitransparente que guardava perigosamente o tesouro diante do bandido deixando passar apenas parte de sua beleza. Não há libido que se aquiete ao sentir o sedoso toque dos cachos recém formados dos cabelos que abrem pequenas frestas exibindo olhos esguios e lábios mordiscados pelos dentes, como de uma parede de madeira que deixa escapar a luz do sol que acabara de nascer.

Tudo parecia tão claro e impedia-o de ver. Ele tateando com a íris sua pele, como o vento que suavemente dobra a esquina numa rua deserta no inverno sentia a respiração dela se aproximar da sua boca lhe secando a garganta e lhe corando a face, finalmente tomou coragem, fechou os olhos e aí sim, com uma precisão atmosférica pôde contemplá-la por inteiro em toda sua explendida beleza. Pode sentir por fim, o suave toque dos lábios da garota algodão-doce que já o tinha dominado e ele nem percebera.