quarta-feira, 31 de agosto de 2011

.dos corações sorridentes


sua vida é a sua vida
não deixe que ela seja esmagada na fria submissão
esteja atento
existem outros caminhos, e em algum lugar, ainda existe luz
pode não ser muita luz, mas ela sempre vence a escuridão
esteja atento
e os deuses vão lhe oferecer oportunidades
conheça-as
agarre-as
você não pode vencer a morte
mas voce pode vencer a morte durante a vida, às vezes
e quanto mais aprender a fazer isto, mais luz vai existir
sua vida é a sua vida
conheça-a enquanto ela ainda é sua
você é maravilhoso
os deuses esperam para se deliciar em você

*bukowski, charles

terça-feira, 30 de agosto de 2011

.dos contos inacabados


Um poema difícil estampava a janela do ônibus e a manhã de chuva, tinha certeza, não daria trégua.
Acomodei-me num acento proximo à porta, não que seja exclusividade ou caprixo em manhãs assim, mas se tratava do último lugar disponível num carro completamente lotado de guarda-chuvas acompanhando seus donos de estimação até o trabalho.

As vezes os guarda-chuvas treinam bem seus donos e eles por sua vez gentilmente sedem lugar para idosos, grávidas, etc, mas não se trata deste dia pois hoje é fim de agosto e tudo já está se arrastando neste inverno e até as gentilezas são raras nesta época do ano.

Entre um esbarrão e outro me levanto, cedendo lugar ao guarda-chuva xadrez que desceria no próximo ponto, enquanto um outro grande, escuro e imponente tomava conta do espaço da janela. Era Mariana, a garota com nome de bom dia que acabava de acomodar-se ali. Simpática pensei eu enquanto o seu guarda-chuva grandalhão me encarava desconfiado. As bochechas rosadas não chamam atenção mas o sorriso sim, este era implacável ocupando o meu acento e o dela.

Fale algo inteligente, pensei baixo. Vinho logo pela manhã é sempre uma boa opção, falei alto.

Ótimo espertão, conseguiu fazer acabar ali a história que nem tinha começado.

Ela sorri: - Acho que estou doente, bochechas vermelhas, rosto quente. E completa: Poema estranho este na janela né, parece que falta algo, as vezes tem poemas assim, difíceis.

- Vi um filme ontem que era igualmente estranho ontem. Uma história de amor só dura 90 minutos. Pavor que tenho de que pessoas contem um filme fiz um rápido resumo na minha cabeça e disse: O guri é escritor, a garota estuda algo confuso. Envolvem-se num triângulo amoroso com uma amiga do casal, é doido mas bastante engraçado.

- Mas eles se conhecem?

- Sim, mas na verdade não, quer dizer: conhecem mas não necessariamente todos estão juntos ao mesmo tempo.

- Ah tá.

- Até pensei ontem, juntando com o poema de hoje e tudo o que mais aconteceu em escrever algo, talvez um conto, sei lá. Certamente começaria com: Procuro um amor que seja capaz de chorar no verão, mas sem exagero porque não gosto da casa húmida nesta época do ano.

- Tu é doido, escreve é?

- Bem, as vezes, contos, poemas, coisas... Mas estes dias são difíceis, chegamos no trabalho ainda escuro e saímos quando já é noite. Num breve momento, como fosse uma espécie de liberdade assistida, tomamos sol no caminho do almoço. "Mas não demorem" ecoa uma voz robótica que ruge e exige que tudo seja rápido, com pressa, como este ônibus que poderia facilmente durar, sei lá, uns 90 minutos.

- Bem, mas pelo menos assim chegará no trabalho e dirá que sorriu, por isto as bochechas vermelhas.

- Mas o culpado pode ter sido o vinho, afinal nunca ninguem saberá ao certo, exceto eu.

Ela tinha ouvido, a chuva tinha parado e o porquê do nome fazia todo sentido.

A garota com nome de bom dia.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

.do despreparo



Era cedo, pouco adiante das 8 da manhã e naquele instante eu estava com a retumbante certeza de que poucas coisas na vida possuem a plena capacidade como a de um alarme de celular transformar travesseiros em rocha pura e deixar cobertores com textura áspera e asquerosa quase te obrigando a levantar.

Lembrei-me por algum motivo de uma época remota perdida entre as minhas descobertas da pré-adolescência... trancados no quarto as horas lá fora empurravam as pessoas em suas rotinas, carros com motores pulsantes zuniam nas ruas e o calendário avançava sem dó mês adentro. Eu e ela, dentro um do outro saciando uma sede árida com a pouca saliva que nos restava e com um certo orgulho ingênuo tempestuávamos sobre a calmaria que a situação pedia. Só tínhamos um ao outro e só precisávamos daquilo e mais nada, pois lá fora, tudo não passava de horas, de dias, de meses, de marcações estúpidas e retóricas inventadas para regrar o que não precisa ser regrado.

Devidamente mastigado durante um fim de verão, um outono e um copioso inverno tudo que eu precisei estava logo ali, ao alcance de uma rolada no colchão ou de um comprimido revestido de algum material sintético de absorção lenta. A sensação de estranheza foi se tornando raciocínio lógico, o despertador tocava, os olhos observavam o travesseiro recém transformado em pedra, era pouco adiante das 8 da manhã de sexta-feira e eu não parecia estar preparado para aquilo.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

.da noite que me fez companhia

O dia chegou, a manhã cantou e o sol cresceu.
É mais um dia complexo, completo e em câmera-lenta.
A noite foi dura, a madrugada se arrastou e a lua demorou a cair.
É mais um agosto que logo cedo se sabe como terminará

Ao olhar pela janela do olho, viu o quarto em silêncio, a noite passando e o sono também.
Ao abrir o olho do prédio, a janela mostrava as outras pessoas que como ele, não conseguiam dormir.
Tentou acenar pela última vez, falar alguma coisa, dar menção de que se importava por ver o sono partir assim, sem avisar.
A cama já não aconchegava, o cobertor já não aquecia e o travesseiro parecia feito de pedra.
E os outros prédios, derramavam pelas paredes a mesma angústia e inquietude do seu quarto.

É a graça de morar em grandes cidades, rodeado por prédios, disse certa vez um amigo seu.
Quando tu perde o humor por não dormir basta olhar para fora e ver que não estás sozinho.
Quase dá vontade de bater naquela janela iluminada para dividir um café, uma idéia ou compartilhar o que te fez acordar.

Este é o lado ruim de se morar em grandes cidades, rodeado por prédios, disse certa vez um amigo seu.
Quando tu perde o humor por não dormir não adianta olhar para fora pois saberás que estás sozinho.
Não basta ter vontade de bater lá pois jamais um desconhecido seria recebido com um café.

É uma solidão assistida, é uma cela gelada e uma rua cheia de andarilhos carregando seus carrinhos cheios de alumínio.
É um convívio estranho, mas que dá a oport...

[juro que iria continuar, mas perdi o rumo, perdi a noite e o dia está duro, principalmente nesta manhã...]

Bom dia para você também, insônia.