Um poema difícil estampava a janela do ônibus e a manhã de chuva, tinha certeza, não daria trégua.
Acomodei-me num acento proximo à porta, não que seja exclusividade ou caprixo em manhãs assim, mas se tratava do último lugar disponível num carro completamente lotado de guarda-chuvas acompanhando seus donos de estimação até o trabalho.
As vezes os guarda-chuvas treinam bem seus donos e eles por sua vez gentilmente sedem lugar para idosos, grávidas, etc, mas não se trata deste dia pois hoje é fim de agosto e tudo já está se arrastando neste inverno e até as gentilezas são raras nesta época do ano.
Entre um esbarrão e outro me levanto, cedendo lugar ao guarda-chuva xadrez que desceria no próximo ponto, enquanto um outro grande, escuro e imponente tomava conta do espaço da janela. Era Mariana, a garota com nome de bom dia que acabava de acomodar-se ali. Simpática pensei eu enquanto o seu guarda-chuva grandalhão me encarava desconfiado. As bochechas rosadas não chamam atenção mas o sorriso sim, este era implacável ocupando o meu acento e o dela.
Fale algo inteligente, pensei baixo. Vinho logo pela manhã é sempre uma boa opção, falei alto.
Ótimo espertão, conseguiu fazer acabar ali a história que nem tinha começado.
Ela sorri: - Acho que estou doente, bochechas vermelhas, rosto quente. E completa: Poema estranho este na janela né, parece que falta algo, as vezes tem poemas assim, difíceis.
- Vi um filme ontem que era igualmente estranho ontem. Uma história de amor só dura 90 minutos. Pavor que tenho de que pessoas contem um filme fiz um rápido resumo na minha cabeça e disse: O guri é escritor, a garota estuda algo confuso. Envolvem-se num triângulo amoroso com uma amiga do casal, é doido mas bastante engraçado.
- Mas eles se conhecem?
- Sim, mas na verdade não, quer dizer: conhecem mas não necessariamente todos estão juntos ao mesmo tempo.
- Ah tá.
- Até pensei ontem, juntando com o poema de hoje e tudo o que mais aconteceu em escrever algo, talvez um conto, sei lá. Certamente começaria com: Procuro um amor que seja capaz de chorar no verão, mas sem exagero porque não gosto da casa húmida nesta época do ano.
- Tu é doido, escreve é?
- Bem, as vezes, contos, poemas, coisas... Mas estes dias são difíceis, chegamos no trabalho ainda escuro e saímos quando já é noite. Num breve momento, como fosse uma espécie de liberdade assistida, tomamos sol no caminho do almoço. "Mas não demorem" ecoa uma voz robótica que ruge e exige que tudo seja rápido, com pressa, como este ônibus que poderia facilmente durar, sei lá, uns 90 minutos.
- Bem, mas pelo menos assim chegará no trabalho e dirá que sorriu, por isto as bochechas vermelhas.
- Mas o culpado pode ter sido o vinho, afinal nunca ninguem saberá ao certo, exceto eu.
Ela tinha ouvido, a chuva tinha parado e o porquê do nome fazia todo sentido.
A garota com nome de bom dia.
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