terça-feira, 17 de julho de 2007

.você nao entenderá, é hora dos sonhos


Do alto da cabine o velho capitão roçava a grossa barba branca com sua mão cheia de anéis, enquanto olhava atento o horizonte tentando avistar uma ponta de esperança, algo que há muito já havia abandonado toda a tripulação, inclusive a ele mesmo.

Em silêncio, ouvia pacientemente cada estalo do convés como se fossem gemidos agonizantes do grande navio, que bravamente botava seu peito frente ao espesso gelo que recobria o chão e lançava-se pelo horizonte até aonde os olhos podiam alcançar. Sabia, com a experiência de um lobo-do-mar, que a qualquer instante os motores não teriam forças suficientes para avançar sobre a imensidão branca que se tornava cada vez mais sólida.

Era próximo das 2 da manhã na fria noite do ártico e o céu ainda estava claro, como todas as noites nos últimos 30 dias e sabia que assim seguiria por outros 60. No porão, iluminado pelos poucos raios de luz que ainda entravam pela pequena janela redonda quase totalmente recoberta pelo gelo, os dois irmãos arrumavam os mantimentos enlatados que haviam desabado das prateleiras desde que a última onda havia atingido o navio, na tempestade que enfrentaram cerca de 800 milhas dali.

Mantinham-se imersos em um silêncio pétreo e sequer ousavam sonhar nestes dias que pareciam não ter mais fim, e não tinham. Mas mesmo assim as lembranças do horizonte do lugar onde viveram quando crianças resistiam vívidas em suas mente. Recordavam das terras férteis, onde a grama era mais verde, o sol mais brilhante e a alegria era abundante como pensamentos de uma criança rodeada de amigos.

Um vento frio soprava forte, castigando quem ousasse abrir a escotilha e subir ao convés, fazendo surgir com brutalidade o arrependimento para tanta sede de riqueza e poder, junto com valor do sacrifício de haver deixado tudo. A água pura já era racionada a poucos litros por dia, o banho fora cortado à 15 e os 3 novatos tentavam esconder os leves, porém evidentes sinais de escorbuto que começavam a aflorar por entre seus dentes.

Agarrados nos últimos fios de esperança de que dias melhores viriam, todos os 16 tripulantes espremeram as pálpebras e abraçados oraram em silêncio cada um para o seu deus, para que toda a cobiça fosse satisfeita, mesmo que esta já não fosse mais de riqueza, mas sim, por uma água fluente e um mar aberto sob seus pés.

Neste mesmo instante o último rugido do casco fora ouvido, os motores falharam e a luz se apagou lentamente. Todos, exceto o capitão, que segurava-se fortemente no timão, foram lançados ao chão violentamente como se tivessem se chocado contra um gigantesco rochedo, e era o que pensavam. A fúria do mar havia vencido, o gelo fechava suas portas.

Um comentário:

Leda Malysz disse...

oi querido.
Aceito de muito bom grado suas sugestões. Sobre o bicho, decerto, vive sim. Decerto não. Letras são personagens tortas por vezes. Ou não. Venha sempre me ver pra ver o que se figura ali, ta?
rsrsrrs.
Beijo, bons dias aí que estou vendo serem bem mais partilhados. Que sejam passos de melodias agradáveis e que não lhe faltem acordes consentidos.
:)
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